quinta-feira, 30 de julho de 2009

Sem Noção

Quando vim morar em Luanda precisei reciclar conceitos, abrir espaço para novos padrões de comportamento, novas formas de interação social e profissional, relativizar as referências.
Entre as referências perdidas, foi-se embora minha noção de caro e barato. O que é caro? O que é barato?
- Depende, poderiam dizer os economistas. Em termos de preços absolutos ou de preços relativos?

Pois é. Perdi a noção dos dois.

Em termos de preços absolutos, “caro” sempre significou para mim alguma coisa acima da minha capacidade financeira, ou cuja aquisição comprometesse parte significativa do orçamento. Coisas que se fazem muito raramente, coisas de difícil acesso, como um iate
transoceânico, um carro do tipo Hammer, uma viagem internacional.
E como acredito que bens duráveis foram feitos para durar, e por isso são caros, sempre considerei “caros” itens como sofás, geladeiras, refrigeradores, televisores e similares.

Isso mudou. O que era raro tornou-se comum, e muitas coisas nem precisam ser compradas para serem usufruídas. Um motorista particular, por exemplo. Ou um passaporte sem espaço pra mais carimbos, ainda dentro do prazo de validade. Outro dia precisei comprar uma máquina de lavar roupa e nem doeu. Carros Hammer são encontrados em qualquer rua de Luanda, em todas as cores do catálogo, iguais ou mais bonitos que os de Romário.

Em termos de preços relativos, sempre achei plenamente justificável uma garrafa de um bom vinho custar mais do que um quilo de uvas.
Isso também mudou, essa referência não funciona aqui.

Exemplos do cotidiano em Luanda: com USD 25,00

posso
- encher o tanque do carro (gasolina) ou
- comprar 1 quilo de picanha ou
- comprar 1 quilo de tomates + um pé de alface para a salada ou
- comprar 1 litro de red label ou
- almoçar num restaurante mais ou menos, sem gorgeta.

não posso
- pagar duas entradas de cinema no fim de semana
- pagar a mensalidade da internet (custa mais de USD 100)
- comprar uma lata grande de leite em pó
- tomar um táxi.

Outro dia me ofereceram um passeio de dois dias para o Sumbe, de carro, com todas as despesas pagas, incluído o pernoite, tudo pela despirocada quantia de USD 650,00 por pessoa.
Há quem pague.
Quem perdeu a noção? Eu, que não fui, ou os que foram e pagaram?
E o custo de oportunidade? Será que vou ter outra chance algum dia de ir ao Sumbe?

Hoje, quando estou prestes a encerrar meu contrato e carimbar de volta o passaporte, não me sai da cabeça a música do Gil "Oriente". Para quem não conhece ou não se lembra, vai a letra aí em baixo.




Oriente
(Gilberto Gil )
Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha
Vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo merece
Consideração

Considere, rapaz
A possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão
Pela curiosidade de ver
Onde o sol se esconde
Vê se compreende
Pela simples razão de que tudo depende
De determinação

Determine, rapaz
Onde vai ser seu curso de pós-graduação
Se oriente, rapaz
Pela rotação da Terra em torno do Sol
Sorridente, rapaz
Pela continuidade do sonho de Adão

5 comentários:

  1. Bonito e raro post.

    Agora, que parece está fazendo as malas para regressar, não esqueça de acompanhar lá de longe, novidades da prole das Palancas Gigantes.

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  2. Oi amiga........então tá chegando loguim loguim!!!!

    Beijos!!!!

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  3. Véri gude este post.

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  4. Como assim?! Vc vai embora? Vc também??? Pára né!!!! Que que tá acontecendo por essas bandas que todo mundo se foi????

    No começo do ano foi uma debandada geral, agora que agosto está chegando parace que todo mundo está indo embora de novo...

    Não gostei disso...

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  5. Meu caro Septuagenário,
    Vou fazer o possível para me manter informada sobre esse assunto. E ouvi que já encontraram mais dois palancas, machos. Agora já são três machos e duas fêmeas. Vamos aguardar os próximos capítulos.


    Menina,
    Vou mas pode ser que volte, a depender das conjunções astrais e terrenas. Encerra-se uma fase, começamos outra. Gostei muito de ter tê-la conhecido pessoalmente, quem sabe continuamos a conversa outro dia?
    Beijocas


    Lídia, Ciça,
    Me aguardem. Chego amanhã.
    Beijos

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