quarta-feira, 1 de abril de 2009

Teologia do Alheamento


Eu sei que o tema está gasto e todo mundo já falou o que tinha de falar. Mas a revista Carta Capital desta semana trouxe uma reportagem de 10 páginas sobre a distância abissal que se observa entre a Igreja Católica e a realidade social da parcela terrena e laica da humanidade.

Trata da teologia do alheamento, a teologia da indiferença.

Só uma dose muito elevada de autismo social pode explicar a excomunhão dos médicos do Recife, no caso do aborto da menina de nove anos estuprada pelo padastro. Ou o perdão do bispo lebfreviano que negou o holocausto. Ou ainda a promoção do padre austríaco que, entre outras façanhas, denunciou o satanismo de Harry Potter e atribuiu à justiça divina o tsunami que puniu os turistas devassos da Tailândia. Sem falar no furacão Katrina, lançado contra os bordéis de Nova Orleans.

Reproduzo os comentários da revista sobre a visita do Papa à África.

Um papa no bunker
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No único continente onde o catolicismo cresce de maneira significativa, Camarões e Angola são países com grande proporção de católicos. Perdido o contato com os costumes e relações sociais nas quais se baseavam seus cultos tradicionais, as populações que o êxodo rural arrancou de suas raízes tribais e jogou nas favelas procuram comunidades religiosas mais adaptadas a uma cultura urbana parcialmente ocidentalizada. A Igreja Católica continua a se beneficiar dessa desestruturação, embora seja crescente a concorrência do Islã, as igrejas evangélicas e de novos cultos sincréticos africanos.

O papa pareceu, porém, decidido a mostrar aos convertidos reais ou potenciais que o catolicismo não atenderá às necessidades sociais e espirituais da África moderna. Ainda no avião, condenou os preservativos em uma região que registra mais de 70% dos óbitos por AIDS no mundo, onde 20 milhões já morreram e outra vida é perdida para a doença a cada 15 segundos.

Caso se limitasse a objeções teológicas, pouco haveria a dizer. Mas Ratzinger contrariou a ciência e o bom senso, insistindo em que a distribuição de preservativos agrava a epidemia. Ministros europeus, inclusive de países católicos, tomaram a iniciativa incomum de censurar o papa. O chanceler francês o acusou de "pôr em perigo a política de saúde pública em relação à proteção da vida humana". A ministra da saúde belga chamou sua posição de "perigosamente doutrinária". Os ministros do Desenvolvimento e da Saúde alemães condenaram a afirmação do compatriota como "irresponsável".

Não foi a única mostra de insensibilidade, desinformação ou ambas as coisas por parte do papa. Enquanto ele se preparava para falar de solidariedade e condenar a ganância, a violência e a corrupção, a Igreja fechava os olhos aos preparativos do corrupto e violento governo camaronês para a visita. Incluíram demolir com escavadeiras todas as casas e lojinhas que prejudicassem esteticamente o caminho entre o aeroporto e o centro da capital, Yaundé, sem perguntar como seus donos iriam trabalhar, dormir e comer nos dias seguintes.
Ali, o papa proclamou que a "a África está em perigo devido a imorais sem escrúpulos que tentam impor o reino do dinheiro desprezando os mais miseráveis", antes de viajar para Angola. O governo desse país empobrecido e devastado por décadas de guerra civil também fez gastos milionários para receber o pontífice. Além disso, em Luanda, a Igreja organizou dois jantares de gala a 500 dólares por cabeça, arrecadando cerca de 270 mil dólares para receber "mais dignamente" a passagem do pontífice.

Os responsáveis pelos caros e cuidadosos preparativos, que incluíram a mobilização de 12 mil policiais para cuidar da segurança do papa e de sua comitiva, não deram igual peso à segurança dos humildes. Na confusa abertura dos portões do Estádio Municipal dos Coqueiros, em Luanda, onde o papa encontraria a juventude angolana, um tumulto matou duas moças por esmagamento e mandou 89 jovens a hospitais.

Alheio ao drama, o papa assistiu à coreografia dos jovens que conseguiram entrar e os convidou a não ter medo de ousar "decisões irreversíveis" do casamento da ordenação sacerdotal. Só no dia seguinte, quando o desastre - ignorado pela cobertura oficial - foi divulgado na imprensa internacional, a Igreja e o governo angolano enviaram representantes ao hospital para visitar feridos e levar seus pêsames à família de uma das mortas, uma catequista de 22 anos. A outra, não identificada, foi levada ao necrotério como indigente.

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Para quem não conhece, a Carta Capital é uma das melhores revistas semanais brasileiras, sóbria e correta. Pratica um jornalismo da melhor qualidade.

Carta Capital - 1º de abril de 2009 - nº 539
Por Antonio Luiz M. C. Costa

2 comentários:

  1. Este papa me dá vontade de chorar...
    Em compensação AMEI o novo layout
    do Seguindo Adiante
    bjs

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  2. É uma falta de identificação social e da pratica verdadeira do carisma.
    Excelente blog.
    Acesse meu blog.www.vivendoteologia.blogspot.com

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