domingo, 31 de agosto de 2008

Vou ali, volto já

Acordei às seis, o RP (relações públicas) passaria para me pegar às sete. O ckeck-in devia começar às sete e meia. Melhor não arriscar um over book, mesmo que o vôo só esteja marcado para o meio dia.
Combinamos na véspera. Tudo certo com a passagem, bastava procurar R... no aeroporto. Minha primeira viagem de volta ao Brasil, depois de dois meses de Luanda.
Sete e quinze, ninguém. Desci a bagagem, fiquei esperando. Nada do RP. A essa altura, já somos três brazucas no portão. Desce o quarto brazuca, engajado em outro projeto, servido por um motorista pontual. Pego uma carona para o aeroporto. Chegamos. Fila quilométrica. Sou barrada na portaria. Portaria do aeroporto. Existe? Em Luanda existe.
- Cadê a passagem?
- Está com R...., lá dentro.
- Então ele deve vir até aqui.
- Mas como posso avisá-lo?
- Não sei, mas sem passagem não entra.
O colega que me deu carona entra. Marinheiro de segunda viagem, tinha providenciado cópia da passagem. Cópia do e-ticket. Na portaria, fez toda a diferença. Fico esperando. Chega o RP, com os dois brazucas que eu tinha deixado prá trás. Entram. Eu berro:
- Ei! J...! (J é o RP.) Ele me olha e me vê! Entro junto. Nessa altura, R..... já tinha me identificado: esta pessoa é minha passageira! Valeu! Olho agradecida e entro na fila do check-in. Fila especial, anda rápido. R... conhece todos os atalhos, todos as engrenagens. Logo logo os quatro brazucas despacham suas bagagens.
Entramos na área restrita. Três de nós. O quarto brazuca fica retido na barreira. Seu visto está vencido.
- Não está.
- Está.
- Não está, eu sei que não está.
- Quer saber mais do que eu?
Pronto, confusão armada. Multa de cento e cinquenta dólares por dia de visto vencido. Quantos dias? Ixa! Nem quero saber. Nem ele, a firma paga. Mas enquanto a discussão se desenvolve nós, os três brazucas com visto válido, passamos a bagagem de mão pelo raio-X. Laptops de um lado, outros pertences de outro lado, tiro colar, relógio, pulseira. OK, todos salvos. Salvos? Coisa nenhuma!
- Por favor, queiram entrar neste recinto. Um de cada vez. Quanto de dinheiro levas?
- O permitido pela legislação, respondi (tinham me alertado para a fria que era declarar valores aproximados).
- Quanto?
- Não sei ao certo.
- Posso ver?
Caramba. Pode, né? Vou dizer que não? Mostro uma carteira com umas poucas notas de US$ 100. E alguns reais.
- E kwanzas?
- Kwanzas não tenho, não posso sair com eles, não é?
- Não pode, teria de deixá-los aqui.
Desejaram a mim uma boa viagem. A outros brazucas pediram uma gasosa, em prol da boa amizade entre as nações. Uns deram, outros não. Mas passamos essa outra barreira, e fomos monitorar a aventura de nosso colega sem visto da sala de embarque. Nove horas da manhã. Tomo um café. Vou espiar as lojinhas de artesanato ali fora. Pensei em fazer um agrado aos amigos, quem sabe aquelas pulseiras de rabo de elefante, tão tradicionais nos anos setenta... saudosismo puro. Vi no mercado do Benfica por quinhentas kwanzas, menos de US$ 7 dólares. Na primeira lojinha do aeroporto me pediram US$ 35,00. Na segunda era mais barato. Vinte. Vai ficar prá próxima, penso, e volto prá sala de embarque. O tempo não passa. Dez horas. Onze. Onze e meia. O presidente da república vai viajar para algum lugar, fecham o aeroporto. Ele está em campanha, afinal faltam apenas 7 dias para as eleições. O presidente embarca, liberam a pista. Chamam nosso vôo. Próxima barreira:
- Você despachou alguma bagagem?
- Despachei.
- Então é preciso identificá-la antes de entrar no ônibus.
Vamos lá. Todas as malas estão no pátio, esperando identificação. Procuro a minha. Lá, achei! Agora é levá-la para o carrinho/container, para ser embarcada. Entro na fila do carrinho/container. Nada disso. Um policial/fiscal/agente-aduaneiro/chefe não concorda com a maneira com que sua equipa está a conduzir o embarque das bagagens e resolve interromper o processo. Reunião no pátio, gritos, confusão. As malas que já estão nos carrinhos/container são descarregadas. Começa tudo de novo. Não começa não, o vôo está atrasado. Chega outro chefe, mais discussão. As malas vão de novo pro carrinho/container.
- Mas esta mala é da executiva, e este carrinho é da econômica. Não pode. Tem que ir naquele outro carrinho.
- Mas aquele outro está cheio, não cabe.
- Ora, mas não há o que fazer....



Doze e trinta. Conseguimos embarcar. Boas vindas, alguns sorrisos da tripulação. [A tripulação da TAAG é bem econômica nos sorrisos.] O avião está vazio, quem falou em overbook? Uma hora da tarde. O comandante avisa que o vôo está atrasado e pede desculpas. Decolamos às treze e trinta. Um pacotinho de jingoba (amendoim) e um drinque. Pergunto o que teremos para o almoço. Carne, frango e peixe, respondem. Duas e trinta. Passa o carrinho do almoço.
- Carne ou frango?
- Não tinha peixe?
- Tinha, mas já não há. Acabou.
Escolho a carne. O passageiro da fila ao lado escolhe o frango.
- Ainda bem, diz a comissária de bordo. Carne também já não há.
E passa distribuindo fones de ouvido. No telão, um filme com Jack Nicholson e Morgan Freeman. O fone de ouvido não funciona. Um dos brazucas me oferece o dele. Também não funciona. Tento ligar no plug da cadeira vaga ao lado da minha. Nada. Desisto. Fico no laptop até acabar a bateria.
.....

Chegamos ao Rio. Passo pela imigração, vou esperar a mala na esteira. Alguém da agência de viagens deve estar me esperando do lado de fora, com um bilhete para conexão imediata. Tento ligar para casa, o celular está sem crédito. Dois meses sem usar, créditos bloqueados. Queria passar na free-shop também, tomara que dê tempo.
Mas a mala não chega. Somos uns cinco sem-mala.
- Cadê?
- Ficaram retidas.
- Onde? Por que?
- Polícia Federal, controle sanitário. Alguma coisa esquisita apareceu no raio-X.
Somos chamados à polícia federal.
- Trouxe alguma coisa de comer dentro da mala?
- Não, só artesanatos.
Aguardo a minha vez para inspeção. Um senhor atrás de mim fura a fila. Está ansioso, não consegue achar a chave da mala. Faço que não percebo. Xapralá. Um angolano é revistado na minha frente. Trouxe dois tipos de fuba, peixe seco e uma moita de caxinde. Outros itens comestíveis estão dentro de sacos plásticos, não consigo identificar. Tudo apreendido, ele fica inconsolável.
Minha vez. Abro a mala: tem banana, carambola, maçã, cacau, manga, abacate, um rolete de cana de açúcar, mamão, cajú e mais três outras frutas cujo nome não me recordo. Todas de madeira, lindas. Cada peça de uma madeira diferente, compradas lá no Mussulo, mês passado. Diversão geral, pedido de desculpas, saio correndo para procurar o cara da agência, com minha passagem da conexão. Free-shop só na volta. Semana que vem volto prá Luanda, a tempo de acompanhar a apuração das eleições. Vastas emoções me aguardam.

Por causa deste contrabando, quase perco a conexão.

3 comentários:

  1. A parte do "vou ali" ja deu pra entender com funciona..... mas na hora do "volto", pra entrar no pais é desse mesmo jeito? Quero dizer voce chega depois de horas de viagem e fica la mais umas sabe Deus qtas horas esperando passar por 825 procedimentos?
    Abraços e boa viagem!!!

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  2. Oi, Laura,
    Na primeira viagem, os 825 procedimentos foram todos antes da obtenção do visto de entrada. Levaram uns dezoito meses, mais ou menos. Depois do visto foi rápido.
    Dessa vez, vamos ver. Se rolar alguma coisa interessante eu conto.
    Bjks

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  3. Deu até medo. Espero que você tenha coragem de voltar daqui a 2 meses mais.

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